Thursday 11 September 2008

Cândida

Cândida, como o nome, olhou para o tecto naquela noite e viu outras coisas que não as pinturas holísticas.

Viu os dias que se passaram depois dAquele dia.

O pai reparou mas calou-se.

A mãe destrambelhada, puxa-a de lado enquanto lavam a loiça com areia.

- Quem foi?

- Mãe?

- Quem te roubou esse recato tão forçado que tinhas no olhar? Hoje vi-te nas folhas de chá que estivemos a ler, eu e a Conceição. As folhas mostraram-nos um rapaz bonito, louro...

- As folhas, mãe, mostraram-te o que a Conceição viu. Eu vi-a hoje ao pé do Fonte Nova. - sorriu. - Ela disse-te porque é que me encontrou no Fonte Nova?

- Hum. Pois. - fez o seu movimento típico de como quem espanta um mosquito, ou um cobrador de impostos, ou isso, abana a cabeça com os cabelos brancos, longos, e lindos como a Cândida os vê, e sorri. - conta tudo à tua velha mãe, vá.

- Deixa a miúda, miúda. - ri-se também o pai, enquanto entra na cozinha e abraça as duas - Cândida, Cândida, se tu soubesses as memórias que me trazes...

- Pai! - foge do seu abraço e ri-se - está bem. Tenho um namorado. Não quero falar de nomes, nem nada. Não é nada sério.

Os três riem-se.

Está sozinha agora e sozinha sorri. Cãndida, não como o nome, sente um vulcão de emoções.

Batem à porta. Alma e Conceição já dormem.

Depois de responder em voz baixa vê entrar a mãe, não tão destrambelhada nem tão sorridente. Levanta-se preocupada com "o que foi, mãe? Foi o Clemente? Mais um ataque de asma?" ainda mais baixinho para não acordar as irmãs. Laura, ou como é conhecida, Ainy, palavra apalaí para "ardente" - significado que, para embaraço de Cândida, é explicado a todos que cruzam com a família. Mesmo todos. Professora Primária incluída... - abanou negativamente a cabeça.

- Não foi só a Conceição que viu umas coisas - encolheu os ombros - bem, não viu mesmo nas folhas... o que eu quero dizer é que eu também vi. Uma parede, um cofre, um segredo. Não percebi muito bem... mas deve ser mais uma daquelas "coisas" palermas que vejo.

Cândida, agora filha pequena de Ainy, abraça-a com carinho. Esta afaga-lhe os cabelos e não consideram mais o assunto.

Ainy porque também "anteviu" o fim do mundo pelo menos 3 vezes.
Cândida porque acredita na ciência, nas leis da natureza e nos olhos verdes e profundos de José.

2 comments:

Luísa A. said...

Nocas, é certo que a Ainy já previu o fim do mundo três vezes. Mas qualquer coisa me diz que a triologia «parede – cofre - segredo» tem que se lhe diga. Acresce que a Cândida pode «acreditar na ciência, nas leis da natureza e nos olhos verdes e profundos de José» precisamente porque é cândida. Preciso, portanto de saber. Esta é uma história com um final feliz? ;-)

nocas verde said...

Luísa,

Solicito a sua candura para aguardar um pouco mais que emia hora pel ofim.

E, perdoe-me, sem lhe revelar da curva ascendente ou descendete programada.

Obrigada pelo interesse que muito me honra.