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Friday, 23 January 2009

O LP

Comprávamos à média de um lp por mês.
Era já uma procissão habitual. Na papelaria escolhia um livro de banda desenhada ou umas cadernetas de cromos – quando era altura delas, seguíamos para a loja de discos, escura com cheiro forte a tabaco e milhares (achava eu) de lps muito bem alinhados. Desfolhava as capas, tirava, lia e íamos comentando este ou aquele. Um dia mostrou-me um lp de um cantor que não conhecia. Tinha apenas um traseiro e uma bandeira dos Estados Unidos da América. “Vamos levar este. Há partes da letra que não percebo e preciso da tua ajuda para traduzir.” – disse-me.


Ouvimo-lo assim que chegamos a casa enquanto preparava ele o jantar (que nestes dias se tratava de frango assado, queijo, azeitonas, pão e um Sumol para mim, uma média para ele, só os dois) e eu arrumava a mesa.

Passei a tarde de Sábado agarrada ao dicionário velhinho dele (inglês-inglês, menina, que é assim que se aprende), lendo a letra, procurando os significados, tentando que as frases fizessem sentido. Quando lha fui mostrar ia carregada de perguntas. O sorriso dele – vejo agora, claro – mostra-me que tinha sido esse o propósito de me solicitar “ajuda” na compreensão da letra.

Enquanto não a íamos buscar ficávamos a conversar (ou a descascar pevides, tremoços e amendoins, ele sentado no sofá, eu no seu colo enquanto víamos um filme).

O lp foi ouvido vezes sem conta com muitas perguntas e muitas respostas.
O lp era “Born in the USA” do Bruce Springsteen.
Com “ele” aprendi o que era um Yellow men, o que foi a Guerra do Vietnam, e tanta, tanta coisa mais.

Foram aulas vivas.

É dos Moody Blues a malha que passou a usar para mim “You’re magnificent!”.

Aprendi com os Beatles, Roling Stones, Simon and Garfunkel, Pink Floyd, Bee Gees, Queen, Bruce Springsteen, Moody Blues, Abba, Kenny Rogers, Linda Rodstat, Edith Piaf, Joe Dassin, Status Quo, Adamo, Juan Pardo, Art Sullivan, Roy Orbison, Mike Oldfield… (éramos um pouco ecléticos, sim), passando pelo Quarteto 1111, Fernando Tordo, Amália e tantos mais. Alguns soltam-se na minha memória através das músicas sem lhes lembrar o nome.
A todas as perguntas havia resposta que dava origem a outra e outra e ainda outra até um de nós se cansar (ele, invariavelmente).

Porquê?

Duas razões.
A música que se ouve lá em casa (eclética, pois claro) também dá origem a perguntas… agora sou eu que invariavelmente me canso e arrumo o assunto com um abraço ou beijo…

Hoje de manhã ouvi uma música nova do The Boss que me levou àquela tarde, aquele traseiro no lp que escondi com muito cuidado, envergonhada, com a capa encostada ao peito na fila dos frangos, ao diálogo longo, quente, triste à simples pergunta

O que é um yellow men?

Um bom fim de semana

Wednesday, 3 December 2008

Dia de Natal - a caminho


Para mim é agradável viver

Meu desejo é apenas servir-Te meu Deus

Embora pequena e humilde para Ti

Vem usar-me, Senhor, para a Tua glória mostrar


Fizeste de mim Tua serva

Para ser pura e para servir

Pois eu sei que sem Ti

meu viver não tem valor

A não ser que Tu me uses para Ti,

meu Senhor
___________________________________________________
Corria o ano de 1990. A partir de Junho fazia tudo um ano. Fazia um ano que ele se tinha ido embora. Fazia um ano que as férias eram sem ele. Faziam um ano que os livros eram comprados sem ele.

Houve uma audição para a peça de Natal e fui escolhida para fazer o papel de Maria.
Fiz screen test e trabalhei a “personagem”.

Fiz de Maria.

Tinha dezasseis anos e fazia um ano de tudo sem ele.
Um dia, enquanto fazia um screen test para o close up da Maria enquanto ouvia o Anjo Gabriel as lágrimas correram-me pela face. Pode dizer-se que tive uma epifania… percebi, ou entendi o que significou entregar-se à vontade Deus, o que significou para esta jovem aceitar o que Deus lhe pedia e as consequências.

Fazia um ano de tudo sem ele.

O trecho musical era belíssimo e belissimamente cantado por uma soprano como poucas enquanto senti e re-senti, filmagem após filmagem, take depois de take cada palavra cada nota cada dedicação.

Anos mais tarde, e para acabar em tom ameno, senti uns olhos intensos, perscrutadores que não se desviavam mesmo quando encarava aquela face aparentemente serena, sentada à minha frente no metro.
Fiquei receosa e mudei de lugar.
Quando saí na estação devida percebi que também saía atrás de mim
- Maria – disse com sotaque inglês.
Parei.
Olhei para dizer que estava equivocado mas o gentil senhor explicou-se num português esquecido
- Sou americano. Vi o musical onde entrou. É a Maria do Musical XXX, não é?
- S-s-sou… fui.
- Comoveu-me muito. Senti a dor e a entrega total de Maria no seu olhar.
- Obrigada (que se responde numa altura desta, não me dizem?)
- Obrigada eu… enquanto entrava de novo na carruagem do(utro) Metro.- E Feliz Natal!
- Feliz Natal! – respondi eu
- Loucos estes artistas – disse a Senhora que se cruzou… a desejar feliz natal em Agosto!!!!


Friday, 4 April 2008

A marcha para a Liberdade

Um dia o pai deu-me um livro.
Correcção:
Tive uma infância de alta riqueza, porque todas as semanas o pai dava-me um livro. Algumas vezes de banda desenhada (Tio Patinhas, Mónica, Marvel... valia tudo)... outras vezes mais um exemplar da Condessa de Ségur... outras uma pérola que considerava que deveria ler... "A Cabana do Pai Tomás" foi um deles...
mas nesse dia entregou-me um livro com mãos macias, tesouro escondido...
O pai adorava fazer ar de solene de vez em quando... e era de facto SOLENE
- Hoje é o aniversário da morte de uma pessoa muito importante.
(não havia net... nem canais temáticos... não sabia de quem falava)
- Este livro li-o em Angola... guardei-o escondido durante muito tempo... agora é teu.
Como calculam tive medo de receber esse livro

A marcha para a Liberdade

Comecei a lê-lo nesse dia

E fiquei a conhecer Martin Luther King

Lembro-me que há tempos (não tive o cuidado - grrrr - de esperar por tão grande data) para entregar a preciosidade à CV

Há net... há canais temáticos... já sabia quem era

Mas recordo da emoção nos olhos ao contar-me a sua interpretação dos factos.
- É um verdadeiro herói - disse

Gostei.

A propósito, ou talvez não, ou talvez não... a reportagem na SIC Notícias sobre o "secondlife"
- E eu lá quero uma second life? - CV - gosto tanto da primeira!...

E tudo vale a pena


ps- it's friday!!!
Amanhã o Lord F. vai para casa!!! É que nem fazem ideia da excitação que vai lá por casa!!!!

Bom fim de semana!

Tuesday, 31 July 2007

Antigamente...

Era o dia do meu aniversário.
Ía fazer 9 anos.

Não me lembro das outras prendas.

O meu pai deu-me um embrulho quando fomos os dois buscar o bolo à Lua-deMel.

- Oh pai! Um livro!... - sempre fui siderada neles
- É. O livro mais importante da tua vida.

O ar misterioso daquelas palavras assustaram-me. Mas depois riu e emaranhou-me a mão no cabelo como só ele soube fazer.

- Vá, abre.

Era um livro sem título, com folhas de cartão (ou papel muito grosso, áspero e amarelo). A capa era castanha, simples, sem desenhos. Tinha duas fitas para fechar.

Olhei-o inquisidora

- É um diário.

E contou-me. Conheci a tua mãe com 12 anos. Achei-a linda. Quando cheguei a casa escrevi num caderno, por brincadeira a frase "Hoje conheci a mulher da minha vida". Nem sabia quem era.

Também "por brincadeira" guardou aquele caderno à parte e foi escrevendo os encontros furtuitos que ía provocando com a trovão (como lhe chamava) e rapidamente passou para outras coisas. Tornou-se um vício. As entradas começaram a conter desenhos, flores, poemas, e a trovão que aparecia de vez em quando, muito furtuita, sempre com medo de tudo. Os recados à avó eram feitos a correr e sem falar com ninguém como se fosse proscrita.

Mas o Janita lá ía forçando, reparando nos hábitos. E traquinas atirava um piropo, pagava um pirulito na leitaria para ela (e pedia ao Sr. Silvério para lhe dar, sem dizer de quem era)

E o caderno ía crescendo.

Com 9 anos comecei o meu.

Monday, 16 July 2007

Não fui

Um dia chegaste ao pé de mim e afirmaste, com a segurança com que sempre usavas, com a certeza das palavras nem sempre bem medidas, com o coração, sempre e cada vez mais à frente da boca:
- Vou ser bailarina!
Olhei para ti como da primeira vez... temi perder-te tantas vezes. Adormeci-te nos meus braços em todas as noites com se fosse a última. Porque sabia que não iria estar contigo. Sabia, sabia, sabia.
E se tantas vezes me fez chorar por ti, contigo e por causa de ti, deu-me o prazer de apreciar cada sorriso (e foram tantos), cada abraço (e tão abraçadora que és), cada tudo.
Foste inteligente desde o primeiro dia.
- Não sei se poderá sobreviver.
Mas aqui estás.
E com estas três palavras destruiste o império que criei para ti.
E discutimos.
E não fui ver-te dançar.
E não fui sentir a tua alegria.

Sabes que te conheço como a mim mesma.
Disse-te aquilo porque sabia que podias aguentar. Porque não irias gostar, porque irias provocar, forçar, obrigar-me-ías a provar que era o que eu queria.
Não disse nada à mãe.
Não digo nada à mãe.
Estou aqui a discutir contigo, a gritar que não mandas em mim, que não sabes o que é melhor para mim, que do alto dos meus 12 anos sei melhor que tu.
E vejo o teu orgulho.
É isso que queres? Que as minhas decisões sejam tomadas à prova de bala? Que aceite as consequências. TODAS?

Tuesday, 24 April 2007

Ainda hoje se descobre / porque te foste tão cedo

Aquele Inverno
Delfins
Composição: Indisponível
Há sempre um piano
um piano selvagem
que nos gela o coração
e nos trás a imagem

daquele inverno
naquele inferno

Há sempre a lembrança
de um olhar a sangrar
de um soldado perdido
em terras do Ultramar
por obrigação
aquela missão

Combater a selva
sem saber porquê
e sentir o inferno
a matar alguém

e quem regressou
guarda sensação
que lutou numa guerra
sem razão

Há sempre a palavra
a palavra "nação"
os chefes trazem e usam
pra esconder a razão

da sua vontade
aquela verdade

E para eles aquele inverno
será sempre o mesmo inferno
que ninguém poderá esquecer
ter que matar ou morrer
ao sabor do vento
naquele tormento

Perguntei ao céu:
será sempre assim?
poderá o inverno
nunca ter um fim?
não sei responder
só talvez lembrar
o que alguém que voltou
veio contar... recordar... recordar...

É sempre agradável descobrir boas e agradáveis surpresas na "net" (=como as crias dizem; que eu que vi o filme Wargames e fiquei impressionada com o que os computadores "já" faziam, e que pensava - talvez os meus filhos tenham uma coisa assim - digo Internet). O blog Once in a While é muito agradável (to say the least) e tornou-se consulta obrigatória.

Originada, ou provocada pelo seu post de hoje, quis (trans)escrever sobre o que a minha cria dizia sobre o tão famoso feriado de amanhã, ao ouvir a música acima.

E eu que nem gosto do grupo...

- Sobre que guerra se fala? Ultramar!... independência das colónias
- Já foi há muito tempo, não? Nem tanto. O avô entrou nela...
- Mas o avô era tão livre-pensador!!! (ok, aqui tenho que parar. É verdade que o tratei, nas muitas histórias que lhes vou contando sobre o avô, como livre-pensador... não só porque o era na realidade, mas também porque, ao querer evitar simbologias erradas de cores politicas ou chavões hippies foi um palavrão que a cria assimilou imediatamente e quase por instinto o seu significado, ficando o cognome, adjectivo, quase nome própio do avô) Mas todos eram obrigados a ir... daí a letra da música
por obrigação
(...)
Combater a selva
sem saber porquê
- O 25 de Abril acabou com isso tudo! (silêncio)
- Como foi a guerra para o avô? O avô contava-te muitas histórias?
(...)
E comecei... foi sempre conversa recorrente... Recontei (algumas d)as histórias que fui ouvindo, poupando alguns pormenores, (o liberalismo passava também por não limpar nem adocicar a verdade...) e revivi todas as tardes mágicas que passámos.
O pai e eu, na pesca, ali em Belém... o pai e eu no sofá, no quintal e as histórias a correrem... e tantas lágrimas que caíam daqueles olhos, sempre iguais, nunca mais leves... também ouvia histórias engraçadas, como a razão da paixão desmesurada da sopa de nabiças (primeira comida depois de um determinado cerco) e a beleza da paisagem, os animais ultra exóticos para um jovem pobre lisboeta...
e parei subitamente porque as lágrimas vieram outra vez
e paro agora porque s lágrimas vieram outra vez
porque te foste tão cedo?...