Tuesday, 29 April 2008

29 de Abril


Tinha 10 anos.


Até aí nunca tinha sequer imaginado nada disto. Era mais do tipo "bolas e pontapés", ou piões e berlindes.



Também ginástica. Aliás, a ginástica era a minha vida. Pratiquei desde muito, muito nova.



Porque era "afoita", atirava-me para os aparelhos e só tive uma queda. A primeira... e a última. Lembro-me de conversarem sobre o meu "jeito". A minha força, agilidade e ausência de medo. Lembro-me da sensação de voar entre as barras assimétricas, dos mortais, dos saltos na trave, do suor frio antes de entrar no tapete, de aguardar as decisões dos juízes.


E também era gabarolas.

Bill T Jones

Num infortúnio daqueles que as crianças desobedientes têm, fiz um mortal em casa "só para mostrar à Alice como se fazia". Não fiz preparação, nem chamada (acho que era assim que se chamava) nem aquecimento.



Caí mal... muito mal. A Alice foi a correr chamar a mãe ao páteo, mas já não me lembro disso. Recordo os gritos da mãe e da sirene da ambulância.


No hospital o veredicto foi dado.


Lesão na coluna. "Foi uma sorte não teres ficado paralisada". Assim me vaticinou o simpático médico.


O meu treinador veio ver-me a casa. Chorámos os dois.

Trisha Brown

Por ironia tornei-me péssima em Educação Física porque tinha terror de saltar no cavalo, mesmo que estivesse rentinho ao chão.

Com 10 anos foi-me detectado um desvio na coluna. Fiz fisioterapia, tratementos experimentais nuns consultórios medonhos, alguns apenas estúpidos, outros bastantes dolorosos. Tinha, por essa altura uma grande diferença no tamanho das pernas que me


provocada um "andar esquisito" e muitas dores ao fim do dia.

Bejart

Um médico em Santa Maria disse-me que a única coisa que poderia "eventualmente" resultar... sem ir à faca, seria o ballet.



- o quê????? nunca - disse eu.


- isso é pr'a meninas de cor de rosa.

Mas fui. Entrei no estúdio (ver lá em baixo) e coloquei-me na última barra, no canto mais escondido da sala.



Não levava (deusmelivre) sapatilhas nem maillot cor de rosa.


Mas aquilo... o bicho... isto que sinto... foi crescendo.


Pina Bauch

A solidão dos exercícios, a competição contínua não contra a outra, não para os juízes darem esta ou aquela nota, mas contra o nosso corpo.


- Coitada! Tem a ligeireza de um elefante... (ai ouvi, ouvi, senhores!)



Foi tudo construído. Pode até afirmar-se que foi tudo falso. Pois parece que nada do que consegui fazer me foi dado. Roubei tudo. Roubei ao meu corpo. Roubei às minhas refeições. Roubei ao meu sono. Roubei à minha imaginação.



E a dança ficou em mim. Ou eu nela. Não sei. Ainda não sei.

Quando a deixei definitivamente, 20 anos depois... quando peguei nas minhas sapatilhas (rosas) e as arrumei sabendo que não voltaria a pegar nelas...

Doeu.

Durante algum tempo não falei, não pensei, não vi dança.

Depois acalmou.
Sou artista. Posso nunca mais dançar, posso nunca mais produzir nada de artístico, mas sou artista. Tornei-me artista.

Quem ama não chora. (procurem o livro... tem tudo a ver)

Pinto este post com alguns dos que me inspiram. Alguns belos seres, bailarinos, coreógrafos, artistas que fazem a arte valer a pena.

Já aqui afirmei, e hoje reafirmo, que acredito ser a Arte a Única grande coisa que nos separa dos animais.

Centro Cultural de Benfica
A capacidade de tornar coisas inúteis valerem por isso mesmo. Por serem belas.

Por serem arte


A linguagem universal da dança, o movimento dos corpos.
A criação de uma peça coreográfica é o ponto alto da criação artística.

Algumas nasceram-me de cores, de músicas (que depois nem vieram a ser utilizadas na própria coregrafia) de frases... sei lá.

Depois fechas-te num estúdio e trabalhas. Mexes-te, examinas, procuras, encontras o movimento certo.

Transpor esses movimentos para os bailarinos (uau). Explicar-lhes, mostrar-lhes... não é assim. Espera, até fica melhor. Outra vez

5 6 7 8

Experimentas novas coisas. Até sabes que não são "novas" coisas! No fim do século XX (naquela altura...) já não se pode inventar nada. Mas para ti são novas.

E gostas. E odeias. E não te apetece. E a musa não vem.

O palco

O cheiro das tábuas, do linóleo, a luz que te ofusca.

As palmas.

Quem me dera conseguir escrever isto de maneira mais poética. Mas não consigo.

Se tivesse uma câmara, talvez fizesse uma coreografia.

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