Rodrigo Guedes de Carvalho in Máxima
Não perceberei nunca por que usam contra mim uma das minhas palavras favoritas. Não tenho na tristeza uma inimiga, nem sequer um incómodo. Enervam-me muito mais o fado descarado, a costa da mão levada à fronte, o sofrimento que se esgota na pose. O pessimismo atávico. A angustiante certeza de uma falta de saída. Mas não a tristeza e a sua serenidade, para tantos inexplicável.
(…)
Mas o seu livro é muito triste, dizem-me. Adorei, mas uma pessoa fica de rastos. Nunca entenderei este mas. Porque as coisas que me tocam, rasgam, transportam, fazem de mim gato-sapato não têm um mas. Nem que o mas se chamasse tristeza.
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Como explicar-lhes o prazer (sim, prazer) de ler obras que me levam aos soluços, de ver filmes que me afundam na cadeira, a tremer, cheio de vergonha de me levantar de imediato, não vá alguém descobrir que estou lavado em pranto?
E não tenhais dúvida: adoro rir.Sou, apesar de todos os sinais que tendes como evidentes (desconfiai das evidências), um pobre homem normal que não resiste a uma boa piada inteligente, um sacudir de mágoas. Mas sou um homem que gosta de gostar do sol e da lua, da luz magnífica que fere o olhar e da penumbra fresca. E gostar da vida, do pulsar do coração, dos amigos, do tempo que nos escorre entre os dedos, não me retira uma procura de momentos em que necessito — absolutamente necessito — de me deixar abanar. Deixar-me ir. Fazer uma purga. Fungar. Limpar-me. Recomeçar.
(…)
Como explicar-vos que a minha tristeza, aquela que vos trazem as minhas personagens ou as minhas histórias, é uma tristeza contra a qual luto, que trazer-vos palavras que vos sabem a cuspo e sangue é uma forma de lutarmos juntos contra o cuspo e o sangue e a cobardia e a sujidade que nos rodeiam, que trazer-vos pessoas que ambos detestamos, e desprezamos, e podem até provocar-nos vómitos, é uma maneira, a minha maneira, a maneira trôpega e desajeitada destes que mexem com as palavras, de percebermos, juntos, o que não queremos ser, e o que não permitiremos que nos conspurque a tão curta, tão curta, tão curta existência. E até me lembro que disse um dia numa entrevista que escrever me tinha poupado dinheiro para o psicanalista, e não sei se é assim, mas sei que penso muito em purga, em purga, de braço dado com a tristeza, que para os outros é defeito e para mim é escrever uma coisa horrível, horrível como os nossos pesadelos, e saber que daqui a nada, daqui a nada, fecho o computador e os fantasmas ficam aqui fechados, e eu, que manejo a tristeza como uma salvação, vou lá para dentro enroscar-me na minha mulher que dorme já, feliz, tão feliz, de saber que a tristeza é como os nossos inimigos, mais importante que mantê-los longe, é tê-lo por perto…
2 comments:
.. eu que sou chata .. e nunca achei a tristeza salvação de nada .. e ainda acho este senhor algo assim pró .. prefiro o original Bonjour Tristesse da brilhante Françoise Sagan .. ;)
dia bom *
A_Chata ;)
First
de chata (em TODOS os sentidos da palavra)... não tens nada!!
Second
é verdade que me revejo nalgumas coisas que o dito senhor diz, principalmente na minha pobre leitura do texto, i.e. a tristeza é minha companheira, quero-a bem perto de mim e NUNCA me considerei uma pessoa triste
Third
esta simplória (LOL) gostou IMENSO do filme dele. fiquei por isso com alguma simpatia por ele
Forth
procurarei (sim, confesso não ter lido) o original
last, but certainly NOT least
obrigada pelos teus comentários. Estas oficialmente nomeada como comentadora exclusiva deste lado!!!
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