Comprávamos à média de um lp por mês.
Era já uma procissão habitual. Na papelaria escolhia um livro de banda desenhada ou umas cadernetas de cromos – quando era altura delas, seguíamos para a loja de discos, escura com cheiro forte a tabaco e milhares (achava eu) de lps muito bem alinhados. Desfolhava as capas, tirava, lia e íamos comentando este ou aquele. Um dia mostrou-me um lp de um cantor que não conhecia. Tinha apenas um traseiro e uma bandeira dos Estados Unidos da América. “Vamos levar este. Há partes da letra que não percebo e preciso da tua ajuda para traduzir.” – disse-me.
Ouvimo-lo assim que chegamos a casa enquanto preparava ele o jantar (que nestes dias se tratava de frango assado, queijo, azeitonas, pão e um Sumol para mim, uma média para ele, só os dois) e eu arrumava a mesa.
Passei a tarde de Sábado agarrada ao dicionário velhinho dele (inglês-inglês, menina, que é assim que se aprende), lendo a letra, procurando os significados, tentando que as frases fizessem sentido. Quando lha fui mostrar ia carregada de perguntas. O sorriso dele – vejo agora, claro – mostra-me que tinha sido esse o propósito de me solicitar “ajuda” na compreensão da letra.
Enquanto não a íamos buscar ficávamos a conversar (ou a descascar pevides, tremoços e amendoins, ele sentado no sofá, eu no seu colo enquanto víamos um filme).
O lp foi ouvido vezes sem conta com muitas perguntas e muitas respostas.
O lp era “Born in the USA” do Bruce Springsteen.
Com “ele” aprendi o que era um Yellow men, o que foi a Guerra do Vietnam, e tanta, tanta coisa mais.
Foram aulas vivas.
É dos Moody Blues a malha que passou a usar para mim “You’re magnificent!”.
Aprendi com os Beatles, Roling Stones, Simon and Garfunkel, Pink Floyd, Bee Gees, Queen, Bruce Springsteen, Moody Blues, Abba, Kenny Rogers, Linda Rodstat, Edith Piaf, Joe Dassin, Status Quo, Adamo, Juan Pardo, Art Sullivan, Roy Orbison, Mike Oldfield… (éramos um pouco ecléticos, sim), passando pelo Quarteto 1111, Fernando Tordo, Amália e tantos mais. Alguns soltam-se na minha memória através das músicas sem lhes lembrar o nome.
A todas as perguntas havia resposta que dava origem a outra e outra e ainda outra até um de nós se cansar (ele, invariavelmente).
Porquê?
Duas razões.
A música que se ouve lá em casa (eclética, pois claro) também dá origem a perguntas… agora sou eu que invariavelmente me canso e arrumo o assunto com um abraço ou beijo…
Hoje de manhã ouvi uma música nova do The Boss que me levou àquela tarde, aquele traseiro no lp que escondi com muito cuidado, envergonhada, com a capa encostada ao peito na fila dos frangos, ao diálogo longo, quente, triste à simples pergunta
O que é um yellow men?
Um bom fim de semana
2 comments:
Olá Nocas Verde!
Este post é simplesmente maravilhoso.
Beijinhos
Paula e Rui Lima
Caríssimos,
Muito obrigada.
beijinhos
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