- Obrigada pelo teu altruísmo. – disse-me ela com os olhos marejados. – É tão raro conhecer pessoas assim.
Tive vontade de lhe questionar o grupo de amigos.
À laia de enquadramento, digamos que não nos damos bem. “Chocámos de frente” algumas vezes, incompatibilizámo-nos, para ser mais singela. Mas quando, quase em lágrimas a ouvi dizer que não tinha como obter apontamentos de determinada matéria, pelo menos não em tempo útil, e apesar de a conversa não ser directamente para mim, simplesmente perguntei-lhe se queria que lhe enviasse os meus. Respondeu a medo que sim mas quase lhe adivinhei o pensamento – é evidente que não mos vai enviar.
Massajar o ego? Sim, claro. É preciso. Mas não se trata disso por aqui. E sabem que não.
Aprendi, acima de tudo pela experiência da vida, que
- há a coisa certa a fazer e a coisa correcta a fazer;
Será a mesma – hum – coisa? Não creio.
Mais, não é assim que determino o meu modo de agir.
Mas afinal de contas o que é a amizade e deverá ser só ela a razão porque somos simpáticos, humanos e companheiros de um outro qualquer?
Já tenho dissertado sobre esta aleatoriedade de amizades, conhecimentos e afins. O que faz um amigo? Como se faz um amigo? Como se reconhece um amigo? E se não formos amigos? Deverei não agir de determinada forma?
Pois, bem sei. Levanto mais perguntas do que exponho razões.
Lembro-me e não consigo descortinar substituto para o ditado “two wrongs don’t make a right”. O modo de agir de um ser que se quer considerar adulto, humano, civilizado e inteligente não deverá ser medido nem tão pouco tabelado ou provocado pelo modo de agir do outro.
Há a história (deliciosa) de alguém que, para estudar o efeito do condicionalismo que certas regras civilizacionais têm, colocou, numa estrada deserta, sem cruzamentos nem vivalma – pleno descampado, um semáforo que ficava muito tempo vermelho. Várias reacções foram vistas:
- A esmagadora maioria dos condutores parou perante o sinal vermelho.
- Uma grande maioria dos condutores esperou pacientemente o sinal ficar verde para continuar a marcha;
- Alguns, ainda que aguardando num primeiro momento e seguindo depois com o vermelho, foram avançando a medo como que olhando para os lados
Estaremos assim tão condicionados, quase hipnodeicamente, a seguir as instruções que nos foram transmitidas? A percentagem, ainda que mínima, de condutores que apenas seguiu o caminho, violando expressamente o sinal vermelho, bem como aquela outra percentagem que pára mas segue em transgressão diz-me que não. Assegura-me que somos condicionados apenas e só enquanto o quisermos e porque queremos. Ainda que algumas respostas possam, de facto ser passivamente inseridas no nosso ID, ele permanece inteiro e inderrogável.
Sermos dotados de livre arbítrio, de podermos a quase todo o tempo escolher o que fazemos é A maior prenda e, como tal, aquela que mais sumariamente será atingida por qualquer tipo de condicionalismo, voluntário, hipnodeico, fascista, amoroso.
(
ah, pois é, vejam como misturo tudo. sim, sim, considero que o amor pode ser tão castrador para a pessoa que ama como uma censura estatal ou um regime ditatorial de qualquer natureza.)
Acredito que se devemos fazer ou pensar uma determinada coisa, se conseguirmos, por raciocínios lógicos (ainda que a lógica venha de silogismos tão pessoais como incompreensíveis para os demais) concluir que aquela acção correcta é essa e não outra, não a que nos apetece ou que dá gozo ou que nos dará mais prazer (imediato). Não que com isso declare submissão ou predestinação a uma vida qualquer que será eterna e exteriormente decidida. Nas amizades, no amor, no trabalho, na família, as relações são obtidas pelo que recebemos, pelo que damos e por aquilo que decidimos.
A decisão é sempre individual.
Onde cabe então as nossas explosões, as raivas, os ódios, o mau feitio? Lado a lado com tudo o que disse. De mãos dadas, diria. É-nos devida a ira. Devemo-nos permitir à raiva e às explosões. Exactamente porque e para que continuemos dotados de uma liberdade natural, material.
Falando pessoalmente posso afirmar que já tenho saído bastante magoada deste modo de decidir e agir.
Já me tenho deparado com o que considero verdadeiras injustiças.
Já me tenho permitido sentir profundamente injustiçada, que poucas pessoas existem que me valorizam como devo, atrevo-me a dizer, darem-me todo o crédito que mereço.
E não digo que este “meu estranho modo de vida” é “mais forte que eu” ou “é assim que sou”.
Tenho muito mau feitio. Sou chata, arrogante, elitista e impaciente. Mas faço o que devo. Faço o que é correcto.
Se há pessoas, amigos, conhecidos e familiares que me banalizam? Que até me “têm por certa”? Há-os de certeza.
E então considerar-me-ei superior por agir assim? Talvez, não sei. Mas quando cedi de bom grado os meus apontamentos à colega, quando socorro um familiar que me destratou, quando respondo com bons modos a quem me trata com incorrecção ou quando perdoo um amigo que não me considera faço-o com consciência tranquila, certa de que faço a coisa correcta.